Adoro. Amo! A confusão e a simpatia transbordantes do circo que chega à cidade. Os Stage Trucks que se acumulam junto ao recinto. Os testes ao PA. As carrinhas de vidros fumados junto à porta de trás. Os roadies nos seus eternos calções. E, finalmente, o sound check, onde se ouvem os heróis a tocar ou a cantar.
Arrepia-me. Faz-me sentir viva.
Adoro este circo. Amo-o. E odeio-o com a mesma intensidade, por o saber um negócio de enganos. Mas NADA substitui o frio no estômago quando tenho todos os meus sentidos envolvidos pela sua magia.
Adoro o período de “estágio”, em que o CD ou o MP3 discrimina os êxitos dos outros. E quando o grande dia chega, a espera à porta do recinto, com ou sem dormida, com ou sem comida, com ou sem descanso. A entrada sufocante, quando as portas se abrem. A corrida até às grades. A alegria de as atingir. As parvoíces e risos idiotas que se partilham ao imaginar os cenários irreais em que os artistas são as estrelas, juntamente com os insignificantes “nós”. O sentimento de opressão pela alegria contida quando soa o primeiro acorde. O desejo urgente de ouvir “aquela” música. E a inigualável liberdade de sentir que ela chegou, que estamos satisfeitos, que já chega, que a felicidade existe.
Amo os despojos da noite. Os maços de tabaco amarrotados. Os copos de bebida abandonados. As luzes que se acendem de novo no palco vazio para iluminar o percurso do fim. As barraquinhas que vendem uma junk food que as pupilas gustativas reconhecem como verdadeiros manjares. Os cartazes e t-shirts que se trocam e vendem. Os números de telefone oferecidos como prendas merecidas. As promessas de amizades para sempre. E aquelas que vingam e cumprem a promessa.
Amo. Preciso disto para me sentir viva.
É como um vício que me consome ainda, passada a adolescência, passada talvez a juventude de outrora, passadas as dúvidas e as questões. Esta paixão vive ainda. O circo que chega à cidade para a agitar agita sempre o meu coração.
Não sei o que fazer com este sentimentos transbordante. Não sei dar-lhe destino, nem sequer compreensão. Mas não o combato, porque me cansei de o fazer. E qualquer circo que chegue à cidade – a qualquer cidade – pode contar com a minha total solidariedade e inveja por fazer não parte daqueles que levam o sonho pelas estradas fora.