quarta-feira, janeiro 06, 2010

A revista

Ex.mo senhor Hélder Freire Costa,
Produtor da revista “Agarra que é Honesto”,

Tive oportunidade de ver a revista “Agarra Que É Honesto” no Maria Vitória em Outubro passado. Foi a primeira vez que fui ao Parque Mayer e (tenho vergonha de o dizer, mas) foi a primeira vez que fui à revista. Para alguém que se interessa pela nobre arte do teatro em geral e pelo que é português em particular, reconheço que esta visita tardia ao género é uma nódoa no currículo da qual me penitenciarei para sempre… Em minha defesa, conto apenas que vi todos os episódios da “Grande Noite” e todas as revistas que conseguiram ter emissão televisiva… Tenho 31 anos e sempre tive um enormíssimo respeito pela revista.

Começo por dar os parabéns a toda a equipa pelo que vi. Os actores (uma ovação de pé para os magníficos Heitor Humberto, Vera Mónica e Joana Alvarenga!), os cantores (palmas para a sempre extraordinária Vanessa), os bailarinos (a homenagem ao Michael Jackson devia ser gravada e colocada no YouTube para que o mundo inteiro a pudesse ver! Excelente!), a coreografia, o guarda roupa, a música, os músicos… TODOS estão de parabéns! Acho que é um espectáculo muito, muito, muito bem produzido e que merecia o respeito e a reverência do público português, especialmente aquele que foi induzido a acreditar que a revista está morta.

Claramente a revista não está morta.

É um género teatral onde (como em tudo o que é teatro) o trigo se separa do joio no que diz respeito a actores, onde há uma dose generosa de glamour à portuguesa e onde se faz a - cada vez mais necessária e menos bem feita - crítica social. Devia ser defendida, apoiada, exaltada. Saí do Parque Mayer sem a menor dúvida sobre isso!

Durante meses debati-me com a ideia de enviar este e-mail. Aqui pretendo dizer um sentido “MUITO OBRIGADA”. Mas também não resisto ao impulso de dar algumas sugestões…

Com todo o respeito que me merecem o GRANDE (grande, grande!) Francisco Nicholson e o jovem talento (um grande talento!) da comédia João Quadros, que fizeram um trabalho de louvar, sinto-me obrigada a juntar a minha voz às de alguns actores de revista que por aí vão deixando apelos para que… se modernize a revista!

Quando se fala em modernizar, fala-se em manter a essência. Não se fala em destruir nada do que todos gostamos na revista.

É necessário mostrar as pernas das bailarinas? Sim, claro, ou não seria uma revista. Mas então, mostre-se também uns peitos torneados de uns bailarinos, porque a sociedade já não se contenta com sexismos. Tem de haver um grande tema sobre uma novela? De certeza? Porquê novela? Já não se vêem novelas de forma tão unânime como antigamente. Então, porque não substituí-lo por uma sátira a uma série televisiva internacional de grande audiência, que mesmo os que não vêem reconhecem…?

Para viver folgada e feliz, mais do que para sobreviver, a revista tem de ser vendida não só aos portugueses, mas também aos estrangeiros. Com pequeníssimos ajustes e o investimento num equipamento de tradução, isso é possível! É caro? Sim, é. Mas se se vender a revista aos estrangeiros, os patrocínios chegam mais facilmente do que vender um produto que todos acham que está moribundo! O La Féria disse no Verão passado aos quatro ventos que a “Piaf” era traduzida para inglês. Não era. Aquilo não era uma tradução. Era um mero indicador de cenas. Dez ou doze frases a contextualizar a acção durante todo o espectáculo. Mesmo assim, o Politeama, na noite em que lá estive, estava cheio de turistas!!!

Façam a experiência.

Num Verão - e só num único Verão, se quiserem – anunciem uma revista “internacional”: adaptem os textos á realidade global (ainda há outra?); brinquem com o Obama e o Sarkosy, mais do que com o Manuel e o Joaquim; satirizem o “Dr. House” ou o Horacio Caine do “CSI Miami” em vez do “Caminho das Índias” ou do “Perfeito Coração”; coloquem bailarinos e bailarinas igualmente glamourosos; falem de ecologia e da fome em África; mantenham a homenagem ao Michael Jackson, façam outra ao Patrick Swaze ou a quem morrer entretanto (perdoem a morbidez!); continuem a apostar nos novos talentos da comédia para escreverem os textos (que tal um Nilton?) e TRADUZAM-NA! Promovam-na no Turismo e nos hotéis de Lisboa e, se houver dinheiro, na TV do metro e na RTP2.

Façam a experiência.

Quem sou eu para vos dar conselhos? Ninguém! Sou uma mera espectadora interessada, que o Sr. Hélder Freire Costa pode considerar uma pateta e ignorar sem olhar para trás. Percebê-lo-ia e, desde já lhe digo, que, da minha parte, está perdoado se o fizer. Mas acredite, pelo menos, que gosto da revista e do Parque Mayer e que nada me faria mais orgulhosa do que ter razão no que vos digo. Não por uma questão ego, mas pela felicidade de ver os jovens a voltar ao teatro e a gostar de ver este género tão português, em vez de o desvalorizarem.

Com os meus sinceros cumprimentos cheios de respeito,

GK

PS – Se decidirem inovar e eu tiver razão, convidam-me para o espectáculo? ;)