sexta-feira, outubro 16, 2009

Roma 2009 (6)








Naquela Segunda-feira, o cansaço falou mais alto… A caminha estava tão boa que ficámos a dormir até à hora de almoço. Estávamos a precisar!
Depois de um almocinho calminho no restaurante do nosso bairro, rumámos, de metro, até à Piazza del Popolo. Mas, antes de entrarmos na famosa praça e porque ela é bem pertinho da saída mais célebre da Vila Borghese onde há uma feira, fomos às compras! Procurávamos óculos de sol! O meu gajo tinha-se esquecido dos dele em Portugal e eu tinha espatifado uma lente quando deixei cair os meus na Fontana di Trevi (pelo menos tiveram a sepultura num sítio icónico!).
Como qualquer turista, o que nós procurávamos não eram uns óculos de sol quaisquer! Não! Estávamos em Itália, paraíso das marcas e dos artigos caídos do camião de entregas… Como não podíamos chegar às primeiras, procurámos os segundos… na feira. E achámos! Pela módica quantia de 10 euros eu sou a orgulhosa proprietária de uns óculos PRADA último modelo. E digo “PRADA”, porque é o que está lá escrito! Não Pradá, nem Proda, nem Preda! PRADA! Já vi óculos iguais aos meus em caras que os podem pagar autênticos! E já vi o preço deles: 240 euros… MEDO!
Ora, o ritual de comprar contrafacção em Itália era-nos totalmente desconhecido e, talvez por isso, tenhamos conseguido um desconto… Apesar da venda destes artigos duvidosos estar presente em TODO o lado (mesmo para quem “era contra”, acaba por ser encarada como “normal”), não tínhamos percebido, por exemplo, que NUNCA há um vendedor perto da banca de produtos contra-faccionados. Começámos a perceber depois que está sempre imensa gente por ali, mas nunca ninguém junto à banquinha. Também não nos lembrámos que não devíamos levar meia hora a escolher. E, especialmente, não percebemos como é possível aquela gente não ser presa assim que recebe dinheiro de alguém se a Guardia Finanza anda sempre pelas ruas (a comer gelados e a cantar, é verdade!… mas anda sempre por perto…).
Obviamente, o nosso vendedor não estava junto à banca, mas quando nos aproximámos surgiu de lado nenhum com um auricular na orelha. Durante as “cinco horas” que demorámos a escolher, ele foi prestativo e motivador, mas nunca tirou o auricular da orelha, nunca parou de olhar em volta e nunca largou o ar displicente de turista. E no fim já pedia uns preços ridículos pelos óculos Versace, Gucci , D&G… Uma maravilha! …Mas parece que sou uma Prada Girl…
Orgulhosos e fashion com as nossas pindéricas aquisições, dirigimo-nos à famosa Piazza del Popolo (http://pt.wikipedia.org/wiki/Piazza_del_Popolo) ali ao lado através da Porta Flamina ou Porta del Popolo. A Piazza del Popolo é famosa por ser o sítio onde mais barbaridades se cometeram em Roma, desde enforcamentos públicos a corridas de cavalos com explosivos nas patas e cinturões com pregos para correrem mais depressa. A praça tem uma aura antiga, madura, como se já tivesse visto o suficiente para não se importar com nada. Mesmo com toda a boa disposição e cabeça no ar de turista, é impossível não parar e sentir, com respeito, a respiração daquele local. É grande em todos os sentidos.
De um lado fica a Porta Flamina e, ao lado da porta, a Igreja de Santa Maria del Popolo (erigida no séc. XI no local onde Nero morreu e foi sepultado e conhecida agora por ser mais um cenário marcante do livro/filme “Anjos & Demónios” ). Do outro da praça, fica o Tridente, nome dados ao conjunto das três ruas que ali desembocam (a Via di Ripetta, a Via del Corso e a Via del Babuino). Entre as saídas dessas ruas encontram-se duas igrejas gémeas, chamadas Santa Maria in Montesanto e Santa Maria dei Miracoli ou dos Milagres. No meio da praça, encontra-se um obelisco de 24 metros - construído no templo dos faraós Ramsés II e Mineptah (1232-1220 a.C.) e levado para Roma por Augusto e anteriormente colocado no Circo Maximo – ladeado por fontes e esculturas de leões e, de um dos lados, uma outra fonte impressionante com uma representação da loba que fundou Roma. Ali respira-se a Itália tradicional.
Entrámos, claro, na Igreja de Santa Maria del Popolo. Estivemos lá dentro algum tempo, tanto para fugir ao calor intenso, como para admirar as múltiplas obras que lá encontraram casa. A mais impressionante? Um quadro de Caravaggio: a Crucificação de São Pedro (http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Caravaggio-Crucifixion_of_Peter.jpg). Não só era possível admirá-lo de perto (ao ponto de conseguir ver as pinceladas de tinta), como se podia fotografar… E, apesar de não vir referido em qualquer guia, a mim impressionou-me particularmente um crucifixo de um Cristo raquítico que, em vez de estar no altar junto à parede, assombrava os fiéis no início da plateia. Em vez de pregado numa cruz, o enfezado Messias estava agarrado a uma vara pela cintura e, numa posição semelhante à crucifixação, erguia os braços com uma expressão de pânico e horror. Aflitivo.
Saídos da mítica Igreja tivemos de enfrentar um vendedor de flores insistente e depois, seguimos, a pé e já de rosa na mão, pela Via Babuino até à Piazza di Spagna. E a primeira visão da zona nobre da cidade, à saída da Via Bebuino, foi um conjunto de carrões pretos, de vidros fumados e motoristas, que esperavam, seguramente, as madames e monsieurs que faziam compras na Via Condoti (http://en.wikipedia.org/wiki/Via_Condotti). Muito, muuuuuito chique.
A Piazza di Spagna estava, como sempre, apinhada de gente. Fotografei-a o melhor que podia, desta vez de dia, e depois de dar destino à rosa que tínhamos adquirido à força na Piazza del Popolo, decidimos fazer o mesmo que o resto da turistada: abancar na escadaria a ver as vistas. E, desta vez, estávamos todos em igualdade de circunstâncias: cansados e suados! Um mimo!
Azucrinados durante toda a estadia em Roma pela febre dos gelati de locais e turistas, achámos que aquele momento de ronha era o ideal para provar a iguaria. Desta vez, nada de granitás, tinha de ser o produto autêntico e cremoso! Desci a enorme escadaria de novo e, no meu italiano fanhoso, consegui trazer dois gelati com três sabores cada (Uiii!, a dificuldade que foi explicar que eram DOIS gelati com TRÊS sabores cada…). O esforço valeu a pena. Vendo-nos lambuzados e satisfeitos - os gelati italianos são TUDO aquilo que dizem deles!!! -, o resto dos turistas começou a fazer o mesmo… Tudo a descer a escadaria para ir comprar gelati cremosos!
Terminada a guloseima, fomos passear para a Via Condotti. E ali só dá mesmo para passear, pelo menos para uma pindérica como eu! Gucci, Prada, Valentino, Bulgari, Perla … Loja sim, loja sim… Nem teria coragem de entrar numa daquelas lojas frescas e perfumadas! Foi a primeira vez na vida que vi lojas de roupa com porteiros!!! E que porteiros! Pareciam modelos saídos dos catálogos da Armani!!! E vestiam Armani!!! Um luxo! Só desejo ter dinheiro um dia para ir lá às compras e depois esquecer que aquilo existe. Uma vez só. Para deixar de ter importância…
Bom, pronto, OK, ainda entrámos numa lojite… Mas já nem era bem na Via Condotti. Era logo a seguir… A pedido do meu gajo, entrámos na Ferrari, onde até era possível fazer compras se eu me passasse completamente. Mas o que é que eu ia fazer com uma mini-saia ou um top, de algodão normalíssmo, vermelho ou amarelo, a 150 euros…?!
Já que estávamos naquela zona ao fim da tarde, resolvemos ir novamente até à Fontana di Trevi, na esperança de àquela hora estar menos gente no local. Mentira. Estava à pinha na mesma. Mas voltar a Trevi vale sempre a pena…
Com um jantarzito de Burguer King de Barberini engolido no meio de suspiros de cansaço, ainda tivemos coragem para fazer uma última excursão. Conseguimos finalmente achar a chiquésima Via Vittorio Venetto (http://en.wikipedia.org/wiki/Via_Veneto), cenário de filmes de Fellini e berço do Hard Rock Café Roma, e passeámos calmamente para cima e para baixo.
Que cenário deslumbrante ao anoitecer! Passeios largos, ladeados de grandes árvores, com esplanadas cobertas, espreguiçadeiras, sofás de tecido, e velas a ornamentar as mesas decoradas com simplicidade e bom gosto. Porta sim, porta sim, deparamo-nos com os melhores hotéis da cidade. Eram verdadeiros paraísos que existiam para lá das enormes portas. Halls de mármore, elevadores cromados, porteiros impecáveis na sua farda de cores vivas. Um sonho! A Via Venetto é um mundo à parte, mesmo em Roma. Mostra o melhor que a vida tem para oferecer. E, mesmo sentindo-me completamente deslocada, nas minhas roupas suadas e havianas no pés, não pude deixar de me confortar com a ideia de existir um lugar assim. Fazíamos… abrandar. Respirar fundo. Pensar que a vida não é correria e tristeza. É conforto. É calma. É beleza. E a seguir apetecia chorar… porque éramos apenas espectadores da vida…
Senti-me tão deslocada e coitadinha que nem tive coragem para entrar no fabuloso Hard Rock romano. Não sei o que tinha por dentro, mas por fora tinha uns vitrais (vitrais! Como nas basílicas!) lindíssimos com os Beatles, o Elvis, etc. Fotografei a entrada (onde estava uma t-shirt Bon Jovi associada a uma causa humanitária) e os vitrais e voltámos ao metro, dando o dia por terminado.

quarta-feira, outubro 07, 2009

Roma 2009 (5) – Parte II









O Tibre estava lindo naquele fim de tarde. A luz plástica do anoitecer deitava sobre o Vaticano uma aura de ternura e mistério. O ar quente de Verão e a quantidade de gente que se via ainda nas ruas largas em torno do Castel Sant’Angelo davam à subida lua no céu uma qualidade lânguida e eterna. Fotografar São Pedro àquela era delicioso. E por isso passámos largos minutos na Ponte de Sant’Angelo de máquina na mão.
Depois descemos as escadas até às margens do Tibre, onde se animavam barraquinhas de comes e bebes e artesanato, com a intenção de jantar. Mas, após um longo passeio, voltámos a subir as escadas e jantámos um hambúrguer na barraquinha já nossa conhecida ao lado do castelo. Todos suados e cansadíssimos, observámos a fila que se formava à porta do Castelo. Lá de dentro, começavam a surgir sons de espectáculos e animação.
Arrastámo-nos até à fila a amaldiçoar aquela gente de banho tomado e perfumada que nos rodeava. Pelos vistos, éramos os únicos que não tínhamos conseguido ir ao hotel refrescar-nos… Enquanto centenas de pessoas entravam no castelo, nós perguntávamo-nos se íamos mesmo andar pelo Passetto di Borgo ou se, á boa maneira italiana, prometiam a abertura do dito, mas só nos iam deixar espreitar por uma frincha de uma porta…
Foi com excitação que descobrimos uma significativa parte dos 800 metros do Passetto estava, efectivamente, aberta! Cortado o bilhete, entrámos no misterioso corredor que liga o Castel Sant’Angelo ao Palácio do Vaticano, eternizado pelo livro/filme “Anjos & Demónios” e que o Papa Clemente VII usou para escapar ao saque de Roma de 1527, quando dezoito mil soldados do exército Imperial deCarlos V e mercenários alemães comandados por Jorge de Frundsberg, ao serviço do Condestável de Bourbon tomaram de assalto a Cidade Eterna.
Ora bem… O Passetto, it self, não tem nada de especial. Percorremos cerca de 300 metros de um longo corredor, primeiro aberto por cima, mas com paredes altas o suficiente para ninguém de fora ver quem o percorre, depois totalmente coberto, com respiradores de ambos os lados, e finalmente, o percurso marcado obrigou-nos a subir umas escadas que nos levaram à parte de cima do Passetto. O restante caminho foi feito com o ar quente da noite romana a envolver-nos em vez do ar cansado e poluído do interior do Passetto. Sempre em direcção a São Pedro, que, com a iluminação cénica, se torna fabuloso contra a escuridão.
O especial daquele caminho não tem nada a ver com os passos percorridos ou com as suas paredes altas e despidas, mas sim com o que imaginamos que ali se passou, a quantidade de segredos que encerra, os pés ilustres que já o percorreram. E, claro, com a vista nocturna de Roma. Breathtaking. Doce. Deliciosa.
Estivemos muito tempo no Passetto. Fotografámos. Cochichámos. Imaginámos. E não fomos os únicos. Cada vez mais turistas – italianos e estrangeiros – percorriam aqueles metros enterrados em betão e depois subiam as escadas e não voltavam. Era difícil virar as costas a São Pedro. (Pelos visto, é sempre difícil virar as costas a são Pedro, literal e figurativamente…)
Quando relutantemente saímos do Passetto – e apesar de ter sido apenas aquele o motivo da visita – decidimos explorar o castelo a fundo. Os bilhetes que tínhamos comprado davam direito a desfrutar dos espectáculos de animação (havia world music, stand up comedy e cabaré em pontos distintos do castelo), da mini feira de artesanato (uma coisa chiquíssima, com peças lindas, mas caríssimas e de autor, desde jóias a quadros e fotografias), dos espaços comuns (incluindo o terraço com o fabuloso anjo que coroa o castelo) e ainda dava direito a uma visita às catacumbas, que serviam de prisão para muitos patriotas, na época dos movimentos de unificação da Itália ocorridos no século XIX. Ignorando o grupo de world music (os Fimm) que se preparava para iniciar o show de meia-hora, seguimos directamente para as catacumbas.
Que visão aterradora! Que coisa absolutamente claustrofóbica! Quem ia preso tinha, de certeza, a sensação de ser enterrado vivo. As prisões ficavam no interior do castelo, enterradas no chão. Para entrar nas celas era necessário descer uma enorme quantidade de degraus estreitos e, passado o mini-corredor para onde davam as sucessivas portas, agachar para as transpor. Lá dentro, não haveria nada. E o ar era escasso. Para fazerem as suas necessidades fisiológicas, existiam filas e filas de uma espécie de potes sem fundo numa sala contígua, mas o mais normal seria fazê-la na cela, cujo chão era terra. Enfim… uma visão do inferno…
Era altura de procurar o terraço. Mas, até lá, estavam guardadas algumas surpresas: os aposentos dos papas. Salas cheias de tesouros. Desde mobília da época a frescos incríveis onde se podia tocar!!! (Claro que não tocámos! Até parecia um crime por lá os dedos gordurosos! Mas houve quem tenha posto! Eles estavam nas paredes. Ali. Sem protecções, nem avisos. Ao nível dos olhos, das mãos, das pernas. Incrível. E não vimos tudo! Sant’Angelo é UM MUNDO! (Mais info: http://www.castelsantangelo.com/.)
Chegámos finalmente ao terraço. Estava escuro e cheio de gente. Sussurrava-se. Provavelmente, com respeito pelo breu e pela fabulosa vista nocturna de Roma e do Vaticano. O ambiente era quente e selecto, iluminado por uma lâmpada deficiente em cada lado do terraço. Todos estavam ali de olhar embargado, cheios de respeito pelo local. Fotografava-se e conversava-se e, mais uma vez, era difícil alguém tomar a decisão de abandonar aquele local. Era lindo demais.
Apesar do extraordinário cansaço e do desconforto da falta (agora claríssima!) do banho, lá ficamos longos minutos. Como os outros, fotografámos e sussurrámos. Fotografámos mais e sussurrámos mais. …E eu apaixonei-me.
Já tínhamos flirtado várias vezes, mas nunca tínhamos estado tão próximos. Ali, na penumbra daquele local, maldito e sagrado, consegui admirar cada pormenor daquele corpo esbelto, cada detalhe da sua expressão, cada possível significado do gesto. Era lindo. Lindíssimo. Inesquecível. Eu explico…
A actual designação do castelo remonta a 590 e surgiu durante uma grande epidemia de peste que assolou Roma. Na ocasião, o Papa Gregório I afirmou ter visto o Arcanjo São Miguel sobre o topo do castelo. Dizia que ele embainhava a sua espada, indicando o fim da epidemia. Para celebrar essa aparição, uma estátua de um anjo coroa o edifício. Inicialmente era um mármore de Raffaello da Montelupo, mas desde 1753, reside ali um bronze de Pierre van Verschaffelt desenvolvido sobre um esboço Gian Lorenzo Bernini. Mais um anjo de Bernini. Mas, por este, eu apaixonei-me perdidamente.
Não sei se foi alguma imagem do badalado filme “Anjos & Demónios” que me colocou na cabeça a sugestão daquela figura, se foi aquele ambiente misterioso e o tempo que ali passei a olhá-lo. Sei que depois daquela noite, eu virei Roma à procura de um souvenir que me permitisse trazê-lo para casa. Não encontrei. Ninguém presta atenção ao meu anjo. Pelo menos, não a devida! (Uma foto decente que alguém tirou do meu anjo: http://www.world-travel-photos.com/routard-photo-Liu-pt-171-253-5225.html.)
Os autocarros romanos recolhiam à meia-noite, hora de fecho do castelo. Por isso, cinco minutos antes da meia-noite, saímos a correr de Sant’Angelo n a esperança de conseguir apanhar o último autocarro para o nosso hotel. Não conseguimos...
De mapa na mão, a servir de isco a malfeitores, vagueamos pela Piazza Cavour em busca de um táxi. Não achámos. Pedimos ajuda a um polícia… que nos deu as direcções erradas. E, finalmente, ainda a conseguir evitar o pânico, descobrimos, no meio da vasta informação do nosso mapa oficial da cidade (pago no Turismo!), que havia um nocturna (autocarro nocturno) que passava no nosso bairro, a duas ruas do nosso hotel! Faltavam três minutos para ele passar no outro lado da praça!
Chagámos à paragem a tempo de o ver surgir ao fundo da rua. Lá dentro, fomos, de sorriso nos lábios, a ouvir três jovens portugueses a discutir direcções e locais de visita. Na nossa paragem, desceram dois outros turistas, com quem nos desencontrámos assim que o autocarro partiu… Voltámos a encontrar-nos no lobby do hotel. Exaustos, partilhámos com eles o elevador. Ao chegar ao quarto e por incrível que pareça não corremos para a cama, mas para a banheira! Íamos ter o nosso merecido banho. Finalmente!