Época estúpida esta do Natal. Quem se declara católico fala do aniversário do Menino Jesus, tentando convencer os outros da divindade desse homem extraordinário, como se devêssemos festejar um aniversário de um homem, apenas por ele ter sido extraordinário. Quem se declara anti-espírito natalício não consegue, mesmo assim, deixar de se empanturrar de fatias douradas e broinhas e Bolo Rei e de mandar as 5000 mensagens a dizer que detesta o Natal, mas que, mesmo assim, pensa em quem ama, não vá o chefe ou o ex ou a tia pensarem que é uma pessoa sem sentimentos. Quem embarca em todo o espírito, abraçando as frases da época e as campanhas de solidariedade, cheio de sorrisos e sinceridade no coração, depara-se com as filas do supermercado, com a falta de tempo para escolher prendas ou cozinhar os desejados petiscos da época, com a rede de multibanco e os servidores sobrecarregados, fanados com tanta “gente de boa vontade” a comprar prendas e a mandar e-mails natalícios cheios de desejos que esquecemos nos restantes trezentos e tal dias do ano.Detesto as prendas só porque sim, sem terem em atenção a quem se destinam. Mas também odeio que alguém se esqueça que, neste dia, embrulhe-se o que se embrulhe, convém estar algo debaixo da árvore de Natal, para que todos saibam que foram lembrados. Já não encontro significado nos cinco milhões de e-mails que recebi, mais as oito mil mensagens, não as distingo umas das outras, não sei a quem escrevi ou quem me escreveu. E, mesmo assim, prefiro esta balbúrdia ao esquecimento. Odeio as lojas e os shoppings e os cafés da esquina fechados no dia de Natal, porque não deixam outra alternativa a quem quer/precisa por todos os meios ignorar que é Natal para não cortar os pulsos. Mas, ao mesmo tempo, comove-me este tentativa geral de sossegar, de recolhimento, de silêncio, esta grande pausa universal que todos os anos somos obrigados a abraçar e que é tão marcante que, mesmo que se tente, não se consegue fugir de se sentir alguma coisa.
Detestei o meu Natal, na sua rotina idiota e embrutecedora, igual aos outros dias, mas com pausa para pensar nela. Odiei não ter comprado prendas para a minha verdadeira família, composta por seis ou sete mulheres minhas amigas que significam mais para mim do que elas sequer imaginam. Cortou-me o coração ficar em casa, sentada, dormente, em frente à televisão, sem um telefonema, uma mensagem, um encontro com qualquer delas, porque os telefonemas nestas datas fazem-se para a família-família, as mensagens mandam-se enquanto as operadoras não as taxam e os encontros com “os amigos” guardam-se para os dias em que não é Natal.
Sinto-me dormente. Tenho vontade de odiar o Natal e as suas luzes e os seus sentimentos genuínos e os seus presentes e as suas campanhas, mais o homem de vermelho e o próprio Menino Jesus, as suas obrigações e obrigatoriedades não negociáveis. E, mesmo assim, por momentos, ocorre-me o pensamento de que, na verdade, sou eu, de todos os que conheço, quem deposita mais esperanças nestes dias de pausa da humanidade, quem mais procura a perfeição dos pensamentos e as mãos dadas, quem mais espera a ternura e o carinho prometidos que insistem em escapar-me (escapar-nos…?) por entre os dedos…



