Tenho um defeito de fabrico. Sem dúvida. Ou me adoro e me tenho em demasiada boa conta ou, de facto, o mundo é cão e sarnento.
Sou a gaja mais social que conheço. Estou bem em grupo. As pessoas já esperam que seja eu a organizar as saídas e os aniversários. Não sei como fiquei com estas tarefas, mas o que acontece quando eu não dou notícias é receber o “nunca mais disseste nada” ofendido, como se a responsabilidade da falta do contacto não fosse sempre mútua. Por outro lado, sou a pessoa com mais dificuldade em fazer amigos que conheço. Não me dou “assim”. Não estou disponível para me partilhar às primeiras. Se não fizerem por isso, daqui não levam “nada”.
Mas quando digo “nada”, refiro-me a levarem o meu coração, a minha confiança. Não me refiro a levarem o meu carinho, o meu apoio ou as minhas palavras de incentivo. Não, essas, distribuo-as generosamente, por amigos, conhecidos e até desconhecidos. Acho que há pouca gente no mundo a fazer isso e, por isso, assumo-o como a minha missão: ser “supportive”. A claque. A que diz que “sim, é possível”sempre.
E os estanhos não me desiludem muito. Se me mostro generosa, recebo, no mínimo, um sorriso. (Há excepções, claro!, mas em geral, a simpatia humana é bem recebida…) São os amigos que me fazem vacilar, que me obrigam continuamente a ajustar as regras…
Sou a primeira do grupo a “pegar na mão”, a “dar colo”. Mesmo que pressinta muito trabalho pela frente. Por esta altura, e ao fim de uns 10 anos no mesmo grupo de amigos, já sei de cor as respostas de quase toda a gente em quase todas as situações. E, por isso, também sei o potencial de estragos que cada situação tem em cada pessoa. E por isso, em geral, dou o “colo” antes de mo pedirem.
Mas tenho limites. Cada vez mais. Não suporto re-runs. Não aceito ser mãe de ninguém por muito tempo. E parece que não perdoo que não me devolvam na mesma moeda. E, portanto, a pouco e pouco fui-me aproximando e afastando de quase todas as pessoas do grupo. Fui mãe, fui pai, fui tia e depois fui madrasta. E este é o caminho invariável. Até desistir de ter retorno. Até ser uma frustrada. Até estar, mas não estar.
Por isso, chego à conclusão de que sou eu que tenho um defeito de fabrico. Sou eu que não me adapto e que peço demais às pessoas e, ao sentir-me defraudada, ergo uma barreira emocional consciente, que tento a todo o custo manter de pé e onde bato repetidamente com a cabeça. Sou eu que devo ter um ego enorme que precisa de muito mimo, embora o sinta espezinhado quase todos os dias… Porque é a mim que me falta colo. E eu não acho justo ter de o pedir. Não acho justo que me magoem com fanfarronices, lições e desatenções. Não acho justo passar à reserva quando o umbigo fala mais alto. Não permito que me usem, abusem e depois me ignorem, tão inconscientemente como consciente foi o pedido de carinho. Não estou disponível para isso.
Ou então o meu “defeito” é mais grave ainda… Sou eu que não sei pedir / aceitar que cuidem de mim como cuido dos outros. Sou eu que bloqueio quando falo de mim, que desvalorizo os meus problemas, que sinto que os imponho quando falo deles. Sou eu que me retraio. E depois acuso quem não percebe que tenho algo para dizer… Será?
Admiram-me por ser frontal. Condenam-me por ser agressiva. E, sou, assumo. Sou agressiva. Não guardo “desaforos”, nem rancores. Sai-me tudo pela boca. Não fico a remoer muito tempo e, se fico, na tentativa de “poupar” alguém, acabo por ser ainda mais agressiva. Não gosto de paninhos quentes entre amigos, muito menos mentiras e falsidades. E, por isso, comigo, levam sempre com a minha verdade, quer gostem dela, quer não. E preparo-me para o mesmo. Mas raramente o obtenho... Parece que as pessoas não estão para se interessar o suficiente para ponderarem, avaliarem e dizerem exactamente o que pensam, doa a quem doer. Isso dá demasiado trabalho e tem demasiadas consequências. Já não há tempo para isso. Nem entre amigos…
Contas feitas, não sobra ninguém. Ninguém que partilhe da minha alma. Ninguém que a queira partilhar. Ninguém que eu permita que me descortine por muito tempo. Aos que pensam que querem fazê-lo, parece faltar-lhes sempre disponibilidade, oportunidade, paciência… ou sabedoria. Não há ninguém a quem eu, de momento, queira/consiga estender a mão no caso de estar debruçada sobre um precipício, porque não reconheço em ninguém a certeza de que não me vai largar. Acredito que o mais certo seria distraírem-se com alguma caravana que passa e esquecerem-se de mim…
E, por isso, demito-me! “A Agressiva” demite-se do cargo falso e cansado de amiga, de organizadora de jantares, de aniversários e de saídas de fins-de-semana. Demito-me de fazer mais do que os restantes. Demito-me de me envolver. De querer o grupo junto. De planear coisas a contar com as pessoas. Demito-me. Porque falhei. Falho sempre. Por isso, alguém que assuma o meu lugar.
Mas, se bem conheço os meus amigos, ninguém o fará. Porque só para mim este é o grupo A. Para os outros será o B ou C ou D… Se bem conheço os meus amigos, ninguém vai perceber que me demiti, nem querer saber porquê, nem perguntar o que estou a fazer numa tarde triste de Domingo. Não enquanto houver distracções e planos novos e namorados para jantar. Não enquanto não houver um sentimento claro de solidão ou tristeza ou uma necessidade clara de colo, de partilha. Aí, sim, alguém se vai lembrar de que eu estou sempre disponível…
Mas que digo eu? Estou a ser injusta! O defeito é meu. Estas acusações devem seguramente servir para mim também! E, por isso, sou eu quem tem de decidir se isto chega ou não chega para mim. Sou eu que tenho de assumir a minha desilusão e a minha solidão. Sou eu que tenho de saber se me vou desrespeitar novamente ao ponto de deixar que o tempo encontre uma solução qualquer, intermédia entre a partilha da alma e esta espécie de amizade… Sou eu que tenho de mudar. De partir. De viver.
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17 comentários:
Eu também tenho muito do teu perfil; talvez no ter um marido e dois filhos a quem faço feliz e que me fazem felizes me torne mais alegre, bem-disposta e optimista.
Nunca chego a sentir solidão.
Senti-a na minha adolescência.
Como eu me revi nestas tuas palavras... é assim exactamente que eu me sinto!!! Não sei se é defeito nosso ou egoismo deles, mas no entanto tenho uma certeza, ficam bem mais "pobres" sem a nossa amizade.
Bjks
Su
1º Era desnecessária a ligação a um cão sarnento lá em cima
2º Tentei conhecer-te no Rock in Rio e mandaste-me pastar!
3º Desde que funciones bem, que se lixe o defeito, quanto muito terás de fazer um desconto a quem aceitar levar-te
Beijo.
GK,
Pediste a opinião, então aqui vai ela!!!!
Não, tu não tens nenhum defeito de fabrico! É porque se o tens, então eu também o tenho! Quando escrevi aquele post "down" sentia também aquilo que escreveste aqui! Acho que o mal não é nos estarmos disponíveis para os outros... Talvez o nosso mal seja não entendermos que os outros não agem da mesma maneira que nós. Se bem que, aqueles que dizem que nos conhecem tão bem, deveriam então saber quando somos nós que precisamos deles, em troca das tantas outras vezes que fomos nós a estender-lhes a mão. Talvez a solução exista. Como eu lá tinha escrito, talvez a solução passe por nos pormos a nós em 1º lugar e os outros depois. Acho que assim dessa forma talvez a gente não sinta tanto na pele a distância dos outros. Não, não é a solução perfeita... mas também não sei se haverá outra.
Uma beijoca grande e um bom fim-de-semana!
Rafeiro:
Mandei-te pastar???? Não me lembro... Sei que tenho algum descrédito nest coisa do "temos de marcar um café"... São coisas que se dizem, mas que raramente se fazem... Mas sabes que mais? Isso também tem de mudar! A próxima vez que me disserem "temos de marcar um café" eu respoderei: "Quando é?"
:)
IMPORTANTE NOTA DE AUTOR:
Com este texto estou a ser má para o meu gajo. Aqui falo de amizade. O meu gajo é mais que isso. Ele raramente me entende e não me consegue arrancar esta solidão intrínseca, mas nunca deixou de tentar. É por isso que o amo MUITO.
Pastar é um termo demasiado bruto, realmente. Passear, isso, mandaste-me passear! :D E de acordo, anota aí na agende 7 de Junho! ;)
Que posso eu dizer que não tenha já dito/sentido antes? Em relação à minha relação ctg, "aponto-te" mtas das coisas que aí descreves sobre os "outros". Também eu senti algumas vezes a falta de apoio, de carinho, de atenção. E ombros amigos (e não só) a sério? Para mim tinha um (sabes a quem me refiro). Tb foi por água abaixo. Culpas no cartório? Claro que tb as tenho, mas decidi deixar rolar a minha vida na velha máxima "conforme cantares eu danço".
Cansei-me há mtos anos de ser uma "Erin Brockovitch". Continuo a ser comunicativa, alegre, paciente e a ter ouvidos/ombros sempre disponíveis, mas, e infelizmente, JÁ NÃO ACREDITO NA AMIZADE! (pelo menos não na forma como a encarava, igual a tantas linhas que escreveste neste post)...
Uma vez chegaste-me a dizer que era boazinha demais e que "essas pessoas" nunca chegariam longe. Como ser humano sinto que já percorri grd parte de um longo caminho, e, embora possa ser um contrasenso, ainda acredito na humanidade, em pessoas iguais a mim/nós. Sinto que as há... Até lá, vou-me moldando da melhor forma possível, conforme as disposições e as paciências...
Em relação a ti: sei que te conheço, sei quem és, sei que temos mto em comum... O tal "tempo/futuro" encarregar-se-á de nos juntar se for caso disso.
Bj grd.
SML
Ah!... Estou no trabalho... lol... ;-)
GK: Não, tu não tens nenhum defeito de fabrico!
Concordo plenamente contigo quando dizes que as pessoas já esperam que sejas tu a organizar as saídas e os aniversários. Eu sou uma dessas pessoas...
Organizar o meu jantar de aniversário deu-me um enorme prazer e consegui reunir a maioria das minhas amigas.
Gostava de organizar mais saídas, mas já sei que as respostas são negativas na maior parte das vezes. Por isso, desisti de tentar marcar alguma coisa.
Um beijinho grande e bom fim-de-semana,
Pisces Girl.
Viver um dia de cada vez como se fosse o último!! OK?
beijos
Não tens defeito de fabrico nenhum! Entendo bem algumas coisasque dizes.
Beijocas
TEMOS DE TOMAR UM CAFÉ!!!!
FAÇO MINHAS AS PALAVRAS DO B, lol! ;)
B e Lu.a:
QUANDO?????? ONDE??????
Quando passarem por Coimbra, avisem!
I mean it!!!
:)
Embora não seja como tu em alguns aspectos, também me revejo muitas vezes naquelas situações em que sentimos que demos tanto e recebemos tão pouco... eu sou mais "bicho do mato" mesmo, nunca fui de ter grandes grupos de amigos ou de organizar encontros e afins, por vezes chego a pensar que me tornei até um pouco anti-social, especialmente nos últimos anos, nos ambientes de trabalho... em cada etapa da minha vida tenho tido poucas amizades de cada vez, mas daquelas tipo "blood on blood", podemos estar muito longe, mas se a outra parte me chamar, eu estou lá... por vezes também tenho a sensação que quando eu estou mal, ninguém se importa, mas quando reflicto um pouco, penso que a culpa também é minha, se eu não digo nada, as pessoas também não adivinham... embora tente ir sempre mantendo o contacto, a vida acabo por nos afastar naturalmente, especialmente quando não há qualquer retorno, acabo por desistir... mas a menos que me tenham magoado bastante, continuo a estar sempre dísponivel (na medida das minhas possibilidades) se precisarem de mim...
bjs
Hello GK!
De vez em quando dou um saltinho aqui pelo blog. Vejo sempre algo novo, uma perspectiva nova sobre o mundo e és sempre "mesmo" tu. E este post não foge à regra. És "mesmo" tu. E por muitas culpas que eu tenha neste afastamento de amigas, que sem dúvida tenho e admito, também não posso deixar de dizer, com frontalidade, que tu não aceitas muito bem quando alguém te estende a mão ou quando se tenta aproximar. Sei que não é por mal. Talvez vejas isso como um sinal de fragilidade tua, que não queres admitir nem por nada.
Eu tb me tenho afastado de ti, apesar de não ser isso que eu quero. Mesmo.
Não podemos voltar atrás no tempo. Mas quero que saibas que podes sempre contar comigo. No entanto, e como decerto sabes, eu também sou muito distraída e se calhar só noto que precisas de apoio se mo disseres directamente... sempre fui assim totó, pronto! =)
Vá, uma beijoka do tamanho do mundo!
AnaB
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