quinta-feira, março 26, 2009

Defeito de fabrico

Tenho um defeito de fabrico. Sem dúvida. Ou me adoro e me tenho em demasiada boa conta ou, de facto, o mundo é cão e sarnento.
Sou a gaja mais social que conheço. Estou bem em grupo. As pessoas já esperam que seja eu a organizar as saídas e os aniversários. Não sei como fiquei com estas tarefas, mas o que acontece quando eu não dou notícias é receber o “nunca mais disseste nada” ofendido, como se a responsabilidade da falta do contacto não fosse sempre mútua. Por outro lado, sou a pessoa com mais dificuldade em fazer amigos que conheço. Não me dou “assim”. Não estou disponível para me partilhar às primeiras. Se não fizerem por isso, daqui não levam “nada”.
Mas quando digo “nada”, refiro-me a levarem o meu coração, a minha confiança. Não me refiro a levarem o meu carinho, o meu apoio ou as minhas palavras de incentivo. Não, essas, distribuo-as generosamente, por amigos, conhecidos e até desconhecidos. Acho que há pouca gente no mundo a fazer isso e, por isso, assumo-o como a minha missão: ser “supportive”. A claque. A que diz que “sim, é possível”sempre.
E os estanhos não me desiludem muito. Se me mostro generosa, recebo, no mínimo, um sorriso. (Há excepções, claro!, mas em geral, a simpatia humana é bem recebida…) São os amigos que me fazem vacilar, que me obrigam continuamente a ajustar as regras…
Sou a primeira do grupo a “pegar na mão”, a “dar colo”. Mesmo que pressinta muito trabalho pela frente. Por esta altura, e ao fim de uns 10 anos no mesmo grupo de amigos, já sei de cor as respostas de quase toda a gente em quase todas as situações. E, por isso, também sei o potencial de estragos que cada situação tem em cada pessoa. E por isso, em geral, dou o “colo” antes de mo pedirem.
Mas tenho limites. Cada vez mais. Não suporto re-runs. Não aceito ser mãe de ninguém por muito tempo. E parece que não perdoo que não me devolvam na mesma moeda. E, portanto, a pouco e pouco fui-me aproximando e afastando de quase todas as pessoas do grupo. Fui mãe, fui pai, fui tia e depois fui madrasta. E este é o caminho invariável. Até desistir de ter retorno. Até ser uma frustrada. Até estar, mas não estar.
Por isso, chego à conclusão de que sou eu que tenho um defeito de fabrico. Sou eu que não me adapto e que peço demais às pessoas e, ao sentir-me defraudada, ergo uma barreira emocional consciente, que tento a todo o custo manter de pé e onde bato repetidamente com a cabeça. Sou eu que devo ter um ego enorme que precisa de muito mimo, embora o sinta espezinhado quase todos os dias… Porque é a mim que me falta colo. E eu não acho justo ter de o pedir. Não acho justo que me magoem com fanfarronices, lições e desatenções. Não acho justo passar à reserva quando o umbigo fala mais alto. Não permito que me usem, abusem e depois me ignorem, tão inconscientemente como consciente foi o pedido de carinho. Não estou disponível para isso.
Ou então o meu “defeito” é mais grave ainda… Sou eu que não sei pedir / aceitar que cuidem de mim como cuido dos outros. Sou eu que bloqueio quando falo de mim, que desvalorizo os meus problemas, que sinto que os imponho quando falo deles. Sou eu que me retraio. E depois acuso quem não percebe que tenho algo para dizer… Será?
Admiram-me por ser frontal. Condenam-me por ser agressiva. E, sou, assumo. Sou agressiva. Não guardo “desaforos”, nem rancores. Sai-me tudo pela boca. Não fico a remoer muito tempo e, se fico, na tentativa de “poupar” alguém, acabo por ser ainda mais agressiva. Não gosto de paninhos quentes entre amigos, muito menos mentiras e falsidades. E, por isso, comigo, levam sempre com a minha verdade, quer gostem dela, quer não. E preparo-me para o mesmo. Mas raramente o obtenho... Parece que as pessoas não estão para se interessar o suficiente para ponderarem, avaliarem e dizerem exactamente o que pensam, doa a quem doer. Isso dá demasiado trabalho e tem demasiadas consequências. Já não há tempo para isso. Nem entre amigos…
Contas feitas, não sobra ninguém. Ninguém que partilhe da minha alma. Ninguém que a queira partilhar. Ninguém que eu permita que me descortine por muito tempo. Aos que pensam que querem fazê-lo, parece faltar-lhes sempre disponibilidade, oportunidade, paciência… ou sabedoria. Não há ninguém a quem eu, de momento, queira/consiga estender a mão no caso de estar debruçada sobre um precipício, porque não reconheço em ninguém a certeza de que não me vai largar. Acredito que o mais certo seria distraírem-se com alguma caravana que passa e esquecerem-se de mim…
E, por isso, demito-me! “A Agressiva” demite-se do cargo falso e cansado de amiga, de organizadora de jantares, de aniversários e de saídas de fins-de-semana. Demito-me de fazer mais do que os restantes. Demito-me de me envolver. De querer o grupo junto. De planear coisas a contar com as pessoas. Demito-me. Porque falhei. Falho sempre. Por isso, alguém que assuma o meu lugar.
Mas, se bem conheço os meus amigos, ninguém o fará. Porque só para mim este é o grupo A. Para os outros será o B ou C ou D… Se bem conheço os meus amigos, ninguém vai perceber que me demiti, nem querer saber porquê, nem perguntar o que estou a fazer numa tarde triste de Domingo. Não enquanto houver distracções e planos novos e namorados para jantar. Não enquanto não houver um sentimento claro de solidão ou tristeza ou uma necessidade clara de colo, de partilha. Aí, sim, alguém se vai lembrar de que eu estou sempre disponível…
Mas que digo eu? Estou a ser injusta! O defeito é meu. Estas acusações devem seguramente servir para mim também! E, por isso, sou eu quem tem de decidir se isto chega ou não chega para mim. Sou eu que tenho de assumir a minha desilusão e a minha solidão. Sou eu que tenho de saber se me vou desrespeitar novamente ao ponto de deixar que o tempo encontre uma solução qualquer, intermédia entre a partilha da alma e esta espécie de amizade… Sou eu que tenho de mudar. De partir. De viver.

quinta-feira, março 19, 2009

Carta de motivação

Ex.mos(as) senhores(as),

Escrevo esta carta, não porque ma tenham pedido, não em resposta a qualquer anúncio, nem sequer por sugestão de qualquer amigo poderoso (até porque não os tenho). Escrevo-a porque sim. Porque me parece que já nada tenho a perder.

O meu nome é GK, sou de Coimbra e tenho dois cursos superiores. Foram dois porque o primeiro não me satisfez e o segundo continua por me satisfazer. Talvez não seja a formação académica que importa, mas habituei-me a referi-la ou não tenha eu crescido na “Cidade dos Doutores”… Digo que a formação não importa porque me parece que a maior parte das empresas escolhe os funcionários atirando ao ar todos os CVs recebidos e vendo qual deles cai no caixote do lixo. Não digo isto para ofender quem quer seja, é mais porque, na minha (já interessante) vida profissional, me deparei com mais incompetência do que com gente capaz. E quanto mais importante é o cargo mais incompetência encontro… Em geral, quero dizer… Claro que há excepções. Não as há sempre?

Mas minto. Também encontrei gente capaz e dedicada... Normalmente isso passa-lhes num instante: ou desistem de remar contra a maré e passam a fazer apenas o que é estritamente necessário por não encontrarem retorno no seu investimento e empenho... ou são cilindrados e tão vergados pela falta de atenção e de incentivo que acabam por deixar de ter capacidade para se auto-motivarem e começam a acreditar que são uma corja igual aos que os avaliam.

Mas não é disso que vos queria falar. Queria falar-vos de mim. Queria dizer-vos como sou boa profissional, que enfrento desafios de cabeça erguida, que sou sociável e falo bem em público e todas essas tretas que colocamos no CV e que não significam nada se estivermos na semana do SPM. Ah! Que pecado!!!!

Perdoem-me. Não devia referir o SPM... Aliás, não devia sequer referir que sou mulher. Devia dissimula-lo, escondê-lo o mais possível com frases competitivas e tiradas jocosas, talvez a atirar para o brejeiro, em suma, devia fingir que apesar de ter mamas, também tenho tomates, como qualquer membro do Conselho de Administração da V. prestigiada empresa. Bom, assim será daqui para a frente. Perdoem-me este pequeno deslize… Tomates terei. Sempre. Embora desconfie que não chegam para esconder as mamas... Bom...

Procuro, então, o emprego dos meus sonhos. Para dizer a verdade, esta é a décima nona carta de motivação que escrevo hoje. Mas vamos lá ver se ainda consigo encontrar palavras bonitas para vos convencer de que sempre quis trabalhar na V. empresa.

...Faz mesmo o quê, a V. empresa? Ah! Desculpem… Já são muitos googlanços hoje… Já estou a confundir tudo…

Ah! Sim. Já sei o que fazem. Mas, esperem lá… Porque é que eu estou a enviar o CV para uma empresa que produz palitos em Vila Nova da Barquinha?

Ah! Já sei… Já tentei tudo o resto. Pois… Bom… O que posso dizer…? Hum… Querem mais motivação para trabalhar na V. empresa do que a conta bancária a zero? Do que sentir-me inútil e desesperada à espera de alguém que me dê uma oportunidade? Do que ter o pai e mãe a perguntarem-me todos os santos dias porque é que eu continuo de roupão sentada ao computador em vez de andar de blazer a entregar CVs de porta a porta (não entendem que os tempo mudaram…). Aliás, querem maior motivação para trabalhar seja para quem for que me dê um salário decente do que ter 30 anos e ainda viver em casa dos pais enquanto se acaba de pagar o primeiro carro em segunda mão, à custa de um mini-subsídio de desemprego arrancado a ferros no fim de seis meses de miséria num barracão qualquer registado como empresa, depois de cinco ou seis anos de vida profissional a recibos verdes???

Por isso, envio o CV em anexo. É Modelo Europeu. Lindíssimo. Cuidado. Elogioso. Eu diria que é perfeito. Só espero que ele tenha também o mérito de cair dentro do V. caixote do lixo na V. próxima consulta aos arquivos com o intuito de preencher uma vaga.

Com os melhores cumprimentos,

GK

quinta-feira, março 12, 2009

Eu sou um homem

As evidências iam-se acumulando e eu fingia que não via. Não achava piada nenhuma aos vídeos de três minutos com bebés a rir que as minhas amigas de trinta e pouco me enviavam frequentemente. Não me emocionava quando via um pedido de casamento. Não vivia para as dietas. Algo de errado se passava comigo...
Agora, está tudo bem. Descobri que sou um homem. As peças do puzzle encaixaram.
Porque é que sou um homem?
Apesar de não ter uma pila, falta-me, pelos vistos, o glamour próprio de uma mulher.
Não, não sinto falta dos olhares masculinos. Tenho alguns. Talvez com menos interesse do que gostaria, talvez com menos respeito, talvez com menos delicadeza, mas eles ainda existem. Sinto é falta dos olhares femininos. (Evidência de que sou um homem?)
São as mulheres que nos “validam”. São as opiniões das amigas e conhecidas que nos dão confiança. São os olhares de inveja que nos dizem que “estamos bem”. E esses faltam-me.
Ao que perece, eu devia estar MUITO preocupada com a minha dieta. Sou uma criminosa por comer um bitoque. No entanto, já não aguento que me julguem por isso. Falta-me a paciência para estas conversinhas de merda em que as opiniões saem directamente das revistas de moda. Por isso, proibi-as.
Deixai-as ser miseráveis. Eu vou continuar a deliciar-me com os meus fritos e doces de vez em quando - que não como quando tenho uma crise emocional, mas sim, lá está, de vez em quando, porque gosto! - enquanto reduzo e tonifico o meu rabo (já de si não muito grande) paulatinamente nas aulas de Corpo & Mente, em vez de procurar o caríssimo Liposhaper, que proporciona um corpo lindo em três semanas e te deixa continuar a ser a “falsa magra” do costume. (“Falsa magra” é outro termo que aprendi nestas conversas da treta...)
Ao que parece, o facto de eu não borrar a cara todos os dias com cores berrantes faz com que eu fique “linda” quando me visto de Amy Winehouse” no Carnaval, apenas porque “nunca ninguém te viu com tanta maquilhagem”… Bom, se eu preciso de me vestir de Amy Winehouse para ficar “linda”, alguém precisa de usar óculos. Definitivamente.
A maquilhagem é também, pelos vistos, o motivo único pelo qual um homem olha para uma mulher. Só pode. Já que só eu e outra amiga de cara lavada é que nunca entramos na equação quando alguém do outro lado de um bar olha para a nossa mesa cheia de gajas.
A roupa também não me deve assentar lá muito bem. Não visto marcas. Ninguém inveja os meus tops da Zara, as minhas calças da Bershka ou os meus casacos da Stradivarius, embora eu os encha sem recurso a artifícios e os combine com reconhecido cuidado.
Em resumo, ou eu não tenho um conceito distorcido do que é ser MULHER (com M grande, com TUDO grande!) ou gaja não sou.
...Por isso, devo ser homem. ...Até já estou a pensar mudar o meu nome para Camões…
;)

quinta-feira, março 05, 2009

10 anos depois

Passaram 10 anos. E, se me perguntarem o porquê de tudo aquilo, eu nem sei responder. Não era o meu género de música. Nunca me derreti perante homens bonitos. E, sei-o agora, não conheci aquelas cinco pessoas assim tão bem. Mas, na altura, bastou um encontro, uma entrevista, para não conseguirmos esquecer cinco personalidades que, por muito que se tentassem mostrar seguras e confiantes, cativaram-nos mais pelos seus medos e pelas suas inseguranças - que transpareciam através das palavras feitas que debitaram durante toda a entrevista - do que pelas suas falsas certezas e ambições.

Seguiram-se três anos numa montanha russa de emoções. Viajámos pelo país, chamámos a maior parte do staff pelo seu primeiro nome e conhecemos dezenas de jovens apaixonadas pelos cinco rapazes ou apenas pela sua fama. No fim, queimámo-nos, derretidas contra a chama de uma celebridade excessiva e com os limites, os enganos e as frustrações que ela trouxe, que, mesmo depois de não podermos entrar nos camarins, nos atingiam a cada olhar das “nossas” estrelas.

Reflectimos, chorámos, amámos à distância e trouxemos para casa, acabado o circo, um sentimento de injustiça, de tristeza, de algo belo caído por terra, destruído, espezinhado pela falta de experiência de uns e a falta de escrúpulos de outros que exploram até à exaustão a vida de pessoas que tiveram a ousadia de sonhar.

É abstracto, talvez, este texto. Como abstracto continua a ser aquilo que sinto quando penso na época que percorri o país à boleia, a viver uma adolescência tardia que não sei justificar. Mas se me perguntassem se valeu a pena eu diria que, sim, valeu a pena! E, se me perguntassem se conseguiria repeti-lo eu diria que não, não poderia repeti-lo, porque a ingenuidade partiu e os olhos abriram-se. Mas se me perguntassem se gostaria de tentar repeti-lo eu diria que sim, gostaria de os ver juntos outra vez, porque estamos todos mais crescidos, a vida tem outro sabor e era engraçado ver como nos portávamos todos outra vez.

As lágrimas seriam certamente menos, as emoções mais contidas, as histórias deixariam de ser abstractas e confusas e passariam a ter um toque consciente de rebeldia, de teimosia. Seríamos apenas uns doidinhos em busca de um passado que já não se agarra. Um grupo de fãs poderosos, que diz ao chefe, com um sorriso desafiante, exactamente onde vai nesse fim-de-semana, em vez de fugir de casa pela janela ou de dizer à mãe que vai dormir a casa da amiga, apenas do outro lado da cidade, quando na verdade vai correr para o Norte para se enfiar, durante horas, em mais uma discoteca, em mais um hotel, na esperança de obter uma palavra, um olhar que justifique tudo aquilo.

Agora já não precisamos de justificações. Já não inventamos desculpas. Já não exigimos respeito quando duvidamos do respeito que temos por nós próprios. Vamos, sim, ver os Excesso mais uma vez. Vamos porque queremos. Vamos porque nos faz sentir bem. Vamos porque gostamos deles sem reservas e quem não quiser perceber ou aceitar isso, quem exigir justificações e respostas crescidas e racionais, pode ir plantar batatas ou dar uma voltinha ao bilhar grande...
…Iríamos ver-vos outra vez… se vocês quisessem…