Uma vez que o texto anterior causou tanta consternação, eu vou lançar mais “achas para a fogueira”. Não tanto porque me chocam as soluções simples e conselhos básicos que me deram (perdoem a agressividade! As minhas reacções a quente tendem a ser agressivas… Deve ser influência do meu pai…), mas mais porque EU preciso de lidar com isto de vez. E, assumir o problema sem pudor, é sempre uma boa maneira de o fazer.
Eu não suporto o meu pai. E, sobre isto, disseram-me: “tenta”, “se queres fazer algo sobre o assunto, é agora que tens de o fazer”, “eu não conseguia viver assim” e até houve uma amiga que me perguntou se isto era mesmo verdade...
Pois bem, são 30 anos de tentativas falhadas. O que é que é suposto eu fazer? Humilhar-me? Suplicar? Auto flagelar-me? Digam-me por favor, se é que conhecem soluções mágicas. Porque francamente, ao ponto a que as coisas chegaram, a minha luta é por não lhe dar importância o suficiente para que continue a conseguir magoar-me. Esta é a MINHA solução. E já sei que, desta forma, se houver uma próxima vida (porque nesta já não se resolve nada, trust me!), vou “levar com ele” outra vez. Eu sei disso!
Quanto a “não conseguir viver assim” é bonito. Mas digam-me, o que fariam então? Sairiam de casa? Com que dinheiro? Lembrem-se que o papá não vai ajudar! Deixavam a vossa mãe de 74 anos à mercê da estupidez do marido? Ou obrigavam-na agora a sair também? Vá! Digam lá, por favor.
Quanto a perguntarem-me se é verdade… Sim, é verdade. É verdade desde que me lembro. Desde que me lembro o meu pai confunde o conceito de respeito com o de medo. Só que agora EU já não os confundo.
Diz-me, Ka, tu que duvidaste, porque é que achas que eu não procuro ninguém quando preciso de ajuda? Eu tenho uma teoria... Quando era miúda e procurava os meus pais com um problema próprio da idade tinha duas respostas possíveis: 1. Uma ameaça. 2. “Shhh! Não digas isso que o teu pai pode ouvir!”. É isto que eu sempre tive. E, portanto, habituei-me a resolver tudo sozinha.
Um exemplo? Tinha 11 anos no dia em que pela primeira vez confessei à minha mãe que sentia algo mais do que amizade por um colega. Tive a infelicidade de o meu pai ouvir. Antes de a minha mãe me responder, o meu pai disse-me que eu tivesse juízo, porque se eu me transformasse numa puta, punha-me na rua e eu teria de trabalhar para viver em vez de viver no bem bom às custas dele e andar a estudar. Vou repetir: eu tinha 11 anos. Nem sequer conhecia muito bem o conceito de sexo…
Mas não me interpretem mal. O meu pai é um bom homem. Um homem trabalhador e honesto e moral. Muito moral. Com uma moralidade à prova de bala. Tão à prova de bala que confunde sentimentos com depravações. E não sabe amar. Amar, para ele, é manter sob controlo. Quem não lhe obedece, não o ama. E, por isso, uma ou outra ameaça física ou uma ou outra surra ao longo da vida não foi culpa dele. Foi nossa.
Ora, uma criança não sabe que nas outras casas é diferente. Mas uma adolescente começa a perceber que sim. E uma mulher adulta não tem dúvidas.
Portanto, por favor – e mais uma vez, PERDOEM-ME a agressividade – não me dêem lições se não passaram pelo mesmo, OK? Não tenham ideias românticas de que com uma conversa séria tudo se resolve, se nunca se ajoelharam em frente ao V. pai a pedir, por amor de Deus, uma consulta de terapia familiar e receberam um empurrão trocista e uma ameaça em troca, OK? Não me digam o que fazer, se nunca viram a vossa mãe levar um estalo à vossa frente, OK?
Ah! Desculpem. Isto também foi culpa minha. Quando eu era miúda, o meu pai mandava-me sempre sair da sala quando ia… hum… chatear-se (?) com na minha mãe. Eu é que, dessa vez, por acaso, voltei para lhe pedir desculpa por qualquer coisa que tenha feito. Afinal, a culpa de ele estar tão zangado era seguramente minha. Logo, eu é que tinha colocado a minha mãe em maus lençóis, como sempre. Eu tentei pedir desculpa para o evitar… Parece que não cheguei a tempo…
Na verdade, não sei quantas vezes não pedi desculpa nem quantas vezes eles me mandou sair da sala. Demorei um bocado a perceber o que se passava quando eu saía da sala. Esse é um dos meus fantasmas… Quantas vezes? Era frequente? Não era? Eu podia tê-lo evitado…?
Sei que, agora, não saio da sala nem ele me manda sair. Mas dou graças a Deus por sair todas as manhãs de casa. Porque estive desempregada um ano e meio e perdi a conta às vezes em que acordava com o meu pai a insultar a minha mãe. Mas não interpretem mal, por favor! Não são cenas desagradáveis. Não. Ele CONVERSA com a minha mãe. Muito. Ele conversa dando-lhe ordens e dizendo que ela é estúpida e inútil e gorda e etc. Nada de gritos. Até porque a minha mãe não responde. Não há motivos para gritar. E também não há motivos para eu interferir. Ele não me manda sair da sala, mas eu não sei o que se passa quando saio de casa. Por isso, não vale a pena enervá-lo mais. Bastava mostrar que estava acordada e a ouvir e ele calava-se. Até à vez seguinte. Talvez amanhã. Talvez apenas quando eu não estivesse a ouvir.
Mas digam-me, devemos sair de casa (Para onde? Para alguma instituição de acolhimento? E depois vou trabalhar para o meu emprego altamente qualificado, de gente a quem isto não acontece, no dia seguinte, certo?) e deixar um velho de 73 anos totalmente dependente a viver sozinho, inundado de merda e fome? Sim, porque ele é COMPLETAMENTE dependente da minha mãe. Não por necessidade, mas por criancice. Não conseguiria estrelar um ovo, mesmo que a vida dependesse disso. Não lavaria uma camisa, não pegaria numa vassoura. Nem tão pouco sabe que comprimidos toma e para quê! Deixariam AGORA um velho inútil, que já não tem força para concretizar as ameaças que faz, sozinho, à sua mercê? Agora?
Por favor… Não me dêem, por isso, lições. Não me façam sentir que não fiz o que podia fazer e até mais do que isso. Não me digam que algo pode mudar porque é essa merda dessa crença que me apanha desprevenida de vez em quando e me faz continuar a chorar, agora não de tristeza ou culpa, como tanta vezes em miúda, mas de raiva pura por deixar que ele ainda tenha a capacidade de me magoar. Como no dia em que deu entrada no hospital e estava um cordeirinho totalmente dependente da opinião da mulher e da filha que tanto ama…
Esse é outro fantasma. O meu pai é um senhor muito simpático para a maior parte das pessoas. As minhas amigas acham-no um porreiraço. É difícil explicar que as moedas também têm duas faces. Até eu tenho dificuldade em ver isso às vezes. E é isso que eu não me perdoo. Não sou burra. Mas às vezes pareço. Porque, como vocês, às vezes também quero acreditar…
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13 comentários:
Que estás zangada, estás!
Isso não me parece nada mal!
Mas não podes esperar que todos te compreendam quando falas deste assunto num espaço público! Ou até que alguém o consiga fazer na sua plenitude...
Parece-me uma "luta" tua, vão com ele, mas por ti!
Nem sabia se havia de comentar... apeteceu-me mandar-te um mail, mas não o tens e não tenho de me meter na vida de ninguém!
E a zanga...
Não me parece mesmo nada mal!
Há algo que me esqueci de dizer. Não suporto pena. Não preciso dela, como não preciso de apoio. Não é um assunto novo e está mais do que debatido na minha cabeça, pelo que muito obrigada pela preocupação, mas está tudo óptimo. Right?
Bjs.
Ah! Mas, again, obrigada pela preocupação e perdoem-me esta resposta em forma de post. Teve de sair...
Fico triste por essa situação, mas se desabafar desta forma te fez melhor...
Obrigado pela visita ao meu cantinho!
Beijinhos
(então deixa-me a mim fazer um parentesis - a mim não me inspiraste pena! Nem sei bem porquê, fiquei zangada! Contigo? Não sei! mas fiquei zangada!)
Eheheh
E tenho de deixar de ser abelhuda....)
Já previa que a tua realidade fosse mais ou menos esta; tenho uma amiga com caso semelhante (para pior), mas aqui é a mãe... e o pai abandonou-as às 2, era ela pequena.
Mulher, se é essa a tua realidade, tu deita cá para fora isso tudo! Pena, não sinto,(pelo menos não a minha definição de "pena"... é mais um "espanto" é mais aquela cena "fogo, uma realidade que eu só achava que existia em filmes"...percebes?). Desculpa não tens de pedir, era o que mais faltava!;)
P.S. As "vontades estranhas" da minha gatita já passaram e também já anda a tomar essa grande invenção do século XX chamada "pílula", hihihi...quanto a mim e ao meu dente do siso, andamos ambos sob o efeito de outra grande invenção da humanidade...analgésicos! ;)
O meu espanto é ainda maior quando reconheci nas tuas palavras a vida de uns familiares meus muito próximos.
Sabes o que é que o filho deles fez, e muito bem, para se "livrar" das "ameaças" do pai? Foi viver para Espanha, e hoje em dia é feliz por lá.
No entanto, a mãe dele ficou a levar com o marido. É tão parva que nem se divorciar daquela besta consegue.
Desculpa lá este meu desabafo, não basta já os teus problemas, ainda te estou a entupir com os dos outros. :s
Quanto a ti, só te digo que estou solidária contigo.
Beijinhos.
Acho q algo está errado nesse relacionamento,,, será q estarás a precisar de algum tipo de terapia????? HCL
conhecia 'por alto', mas agora já percebi.
e como te compreendo!
no meu caso, a situação ñ é tão 'grave', mas é igualmente castradora...
de facto, é tentarmos nós ser diferentes, melhores com os outros.
é a única forma, creio eu!
*
Beijinhos e aparece.
passei só para dizer que estou viva e deixar um beijinho... fiquei triste ao saber desta tua realidade... não vou mesmo fazer comentários porque tal como dizes, não vale a pena dar palpites, quando não passei por isso... fantasmas, todos temos de alguma forma, mas quem tem de viver com eles é que sabe como eles afectam...
se quiseres conversar em privado, sabes onde me encontrar... ;p
bjs
Tens de ter em conta que quem te deu as "soluções simples e conselhos básicos" não conhece toda a história, nem nunca poderá conhecer, pelo que o que se tenta é, agora e sempre, apelar a uma possível solução que não seja extremada. Mas garanto que pelo menos da minha parte calo-me relativamente a este assunto...
Desculpa lá a minha reacção a quente mas o SLB está a perder.
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