O Tibre estava lindo naquele fim de tarde. A luz plástica do anoitecer deitava sobre o Vaticano uma aura de ternura e mistério. O ar quente de Verão e a quantidade de gente que se via ainda nas ruas largas em torno do Castel Sant’Angelo davam à subida lua no céu uma qualidade lânguida e eterna. Fotografar São Pedro àquela era delicioso. E por isso passámos largos minutos na Ponte de Sant’Angelo de máquina na mão.
Depois descemos as escadas até às margens do Tibre, onde se animavam barraquinhas de comes e bebes e artesanato, com a intenção de jantar. Mas, após um longo passeio, voltámos a subir as escadas e jantámos um hambúrguer na barraquinha já nossa conhecida ao lado do castelo. Todos suados e cansadíssimos, observámos a fila que se formava à porta do Castelo. Lá de dentro, começavam a surgir sons de espectáculos e animação.
Arrastámo-nos até à fila a amaldiçoar aquela gente de banho tomado e perfumada que nos rodeava. Pelos vistos, éramos os únicos que não tínhamos conseguido ir ao hotel refrescar-nos… Enquanto centenas de pessoas entravam no castelo, nós perguntávamo-nos se íamos mesmo andar pelo Passetto di Borgo ou se, á boa maneira italiana, prometiam a abertura do dito, mas só nos iam deixar espreitar por uma frincha de uma porta…
Foi com excitação que descobrimos uma significativa parte dos 800 metros do Passetto estava, efectivamente, aberta! Cortado o bilhete, entrámos no misterioso corredor que liga o Castel Sant’Angelo ao Palácio do Vaticano, eternizado pelo livro/filme “Anjos & Demónios” e que o Papa Clemente VII usou para escapar ao saque de Roma de 1527, quando dezoito mil soldados do exército Imperial deCarlos V e mercenários alemães comandados por Jorge de Frundsberg, ao serviço do Condestável de Bourbon tomaram de assalto a Cidade Eterna.
Ora bem… O Passetto, it self, não tem nada de especial. Percorremos cerca de 300 metros de um longo corredor, primeiro aberto por cima, mas com paredes altas o suficiente para ninguém de fora ver quem o percorre, depois totalmente coberto, com respiradores de ambos os lados, e finalmente, o percurso marcado obrigou-nos a subir umas escadas que nos levaram à parte de cima do Passetto. O restante caminho foi feito com o ar quente da noite romana a envolver-nos em vez do ar cansado e poluído do interior do Passetto. Sempre em direcção a São Pedro, que, com a iluminação cénica, se torna fabuloso contra a escuridão.
O especial daquele caminho não tem nada a ver com os passos percorridos ou com as suas paredes altas e despidas, mas sim com o que imaginamos que ali se passou, a quantidade de segredos que encerra, os pés ilustres que já o percorreram. E, claro, com a vista nocturna de Roma. Breathtaking. Doce. Deliciosa.
Estivemos muito tempo no Passetto. Fotografámos. Cochichámos. Imaginámos. E não fomos os únicos. Cada vez mais turistas – italianos e estrangeiros – percorriam aqueles metros enterrados em betão e depois subiam as escadas e não voltavam. Era difícil virar as costas a São Pedro. (Pelos visto, é sempre difícil virar as costas a são Pedro, literal e figurativamente…)
Quando relutantemente saímos do Passetto – e apesar de ter sido apenas aquele o motivo da visita – decidimos explorar o castelo a fundo. Os bilhetes que tínhamos comprado davam direito a desfrutar dos espectáculos de animação (havia world music, stand up comedy e cabaré em pontos distintos do castelo), da mini feira de artesanato (uma coisa chiquíssima, com peças lindas, mas caríssimas e de autor, desde jóias a quadros e fotografias), dos espaços comuns (incluindo o terraço com o fabuloso anjo que coroa o castelo) e ainda dava direito a uma visita às catacumbas, que serviam de prisão para muitos patriotas, na época dos movimentos de unificação da Itália ocorridos no século XIX. Ignorando o grupo de world music (os Fimm) que se preparava para iniciar o show de meia-hora, seguimos directamente para as catacumbas.
Que visão aterradora! Que coisa absolutamente claustrofóbica! Quem ia preso tinha, de certeza, a sensação de ser enterrado vivo. As prisões ficavam no interior do castelo, enterradas no chão. Para entrar nas celas era necessário descer uma enorme quantidade de degraus estreitos e, passado o mini-corredor para onde davam as sucessivas portas, agachar para as transpor. Lá dentro, não haveria nada. E o ar era escasso. Para fazerem as suas necessidades fisiológicas, existiam filas e filas de uma espécie de potes sem fundo numa sala contígua, mas o mais normal seria fazê-la na cela, cujo chão era terra. Enfim… uma visão do inferno…
Era altura de procurar o terraço. Mas, até lá, estavam guardadas algumas surpresas: os aposentos dos papas. Salas cheias de tesouros. Desde mobília da época a frescos incríveis onde se podia tocar!!! (Claro que não tocámos! Até parecia um crime por lá os dedos gordurosos! Mas houve quem tenha posto! Eles estavam nas paredes. Ali. Sem protecções, nem avisos. Ao nível dos olhos, das mãos, das pernas. Incrível. E não vimos tudo! Sant’Angelo é UM MUNDO! (Mais info: http://www.castelsantangelo.com/.)
Chegámos finalmente ao terraço. Estava escuro e cheio de gente. Sussurrava-se. Provavelmente, com respeito pelo breu e pela fabulosa vista nocturna de Roma e do Vaticano. O ambiente era quente e selecto, iluminado por uma lâmpada deficiente em cada lado do terraço. Todos estavam ali de olhar embargado, cheios de respeito pelo local. Fotografava-se e conversava-se e, mais uma vez, era difícil alguém tomar a decisão de abandonar aquele local. Era lindo demais.
Apesar do extraordinário cansaço e do desconforto da falta (agora claríssima!) do banho, lá ficamos longos minutos. Como os outros, fotografámos e sussurrámos. Fotografámos mais e sussurrámos mais. …E eu apaixonei-me.
Já tínhamos flirtado várias vezes, mas nunca tínhamos estado tão próximos. Ali, na penumbra daquele local, maldito e sagrado, consegui admirar cada pormenor daquele corpo esbelto, cada detalhe da sua expressão, cada possível significado do gesto. Era lindo. Lindíssimo. Inesquecível. Eu explico…
A actual designação do castelo remonta a 590 e surgiu durante uma grande epidemia de peste que assolou Roma. Na ocasião, o Papa Gregório I afirmou ter visto o Arcanjo São Miguel sobre o topo do castelo. Dizia que ele embainhava a sua espada, indicando o fim da epidemia. Para celebrar essa aparição, uma estátua de um anjo coroa o edifício. Inicialmente era um mármore de Raffaello da Montelupo, mas desde 1753, reside ali um bronze de Pierre van Verschaffelt desenvolvido sobre um esboço Gian Lorenzo Bernini. Mais um anjo de Bernini. Mas, por este, eu apaixonei-me perdidamente.
Não sei se foi alguma imagem do badalado filme “Anjos & Demónios” que me colocou na cabeça a sugestão daquela figura, se foi aquele ambiente misterioso e o tempo que ali passei a olhá-lo. Sei que depois daquela noite, eu virei Roma à procura de um souvenir que me permitisse trazê-lo para casa. Não encontrei. Ninguém presta atenção ao meu anjo. Pelo menos, não a devida! (Uma foto decente que alguém tirou do meu anjo: http://www.world-travel-photos.com/routard-photo-Liu-pt-171-253-5225.html.)
Os autocarros romanos recolhiam à meia-noite, hora de fecho do castelo. Por isso, cinco minutos antes da meia-noite, saímos a correr de Sant’Angelo n a esperança de conseguir apanhar o último autocarro para o nosso hotel. Não conseguimos...
De mapa na mão, a servir de isco a malfeitores, vagueamos pela Piazza Cavour em busca de um táxi. Não achámos. Pedimos ajuda a um polícia… que nos deu as direcções erradas. E, finalmente, ainda a conseguir evitar o pânico, descobrimos, no meio da vasta informação do nosso mapa oficial da cidade (pago no Turismo!), que havia um nocturna (autocarro nocturno) que passava no nosso bairro, a duas ruas do nosso hotel! Faltavam três minutos para ele passar no outro lado da praça!
Chagámos à paragem a tempo de o ver surgir ao fundo da rua. Lá dentro, fomos, de sorriso nos lábios, a ouvir três jovens portugueses a discutir direcções e locais de visita. Na nossa paragem, desceram dois outros turistas, com quem nos desencontrámos assim que o autocarro partiu… Voltámos a encontrar-nos no lobby do hotel. Exaustos, partilhámos com eles o elevador. Ao chegar ao quarto e por incrível que pareça não corremos para a cama, mas para a banheira! Íamos ter o nosso merecido banho. Finalmente!
Depois descemos as escadas até às margens do Tibre, onde se animavam barraquinhas de comes e bebes e artesanato, com a intenção de jantar. Mas, após um longo passeio, voltámos a subir as escadas e jantámos um hambúrguer na barraquinha já nossa conhecida ao lado do castelo. Todos suados e cansadíssimos, observámos a fila que se formava à porta do Castelo. Lá de dentro, começavam a surgir sons de espectáculos e animação.
Arrastámo-nos até à fila a amaldiçoar aquela gente de banho tomado e perfumada que nos rodeava. Pelos vistos, éramos os únicos que não tínhamos conseguido ir ao hotel refrescar-nos… Enquanto centenas de pessoas entravam no castelo, nós perguntávamo-nos se íamos mesmo andar pelo Passetto di Borgo ou se, á boa maneira italiana, prometiam a abertura do dito, mas só nos iam deixar espreitar por uma frincha de uma porta…
Foi com excitação que descobrimos uma significativa parte dos 800 metros do Passetto estava, efectivamente, aberta! Cortado o bilhete, entrámos no misterioso corredor que liga o Castel Sant’Angelo ao Palácio do Vaticano, eternizado pelo livro/filme “Anjos & Demónios” e que o Papa Clemente VII usou para escapar ao saque de Roma de 1527, quando dezoito mil soldados do exército Imperial deCarlos V e mercenários alemães comandados por Jorge de Frundsberg, ao serviço do Condestável de Bourbon tomaram de assalto a Cidade Eterna.
Ora bem… O Passetto, it self, não tem nada de especial. Percorremos cerca de 300 metros de um longo corredor, primeiro aberto por cima, mas com paredes altas o suficiente para ninguém de fora ver quem o percorre, depois totalmente coberto, com respiradores de ambos os lados, e finalmente, o percurso marcado obrigou-nos a subir umas escadas que nos levaram à parte de cima do Passetto. O restante caminho foi feito com o ar quente da noite romana a envolver-nos em vez do ar cansado e poluído do interior do Passetto. Sempre em direcção a São Pedro, que, com a iluminação cénica, se torna fabuloso contra a escuridão.
O especial daquele caminho não tem nada a ver com os passos percorridos ou com as suas paredes altas e despidas, mas sim com o que imaginamos que ali se passou, a quantidade de segredos que encerra, os pés ilustres que já o percorreram. E, claro, com a vista nocturna de Roma. Breathtaking. Doce. Deliciosa.
Estivemos muito tempo no Passetto. Fotografámos. Cochichámos. Imaginámos. E não fomos os únicos. Cada vez mais turistas – italianos e estrangeiros – percorriam aqueles metros enterrados em betão e depois subiam as escadas e não voltavam. Era difícil virar as costas a São Pedro. (Pelos visto, é sempre difícil virar as costas a são Pedro, literal e figurativamente…)
Quando relutantemente saímos do Passetto – e apesar de ter sido apenas aquele o motivo da visita – decidimos explorar o castelo a fundo. Os bilhetes que tínhamos comprado davam direito a desfrutar dos espectáculos de animação (havia world music, stand up comedy e cabaré em pontos distintos do castelo), da mini feira de artesanato (uma coisa chiquíssima, com peças lindas, mas caríssimas e de autor, desde jóias a quadros e fotografias), dos espaços comuns (incluindo o terraço com o fabuloso anjo que coroa o castelo) e ainda dava direito a uma visita às catacumbas, que serviam de prisão para muitos patriotas, na época dos movimentos de unificação da Itália ocorridos no século XIX. Ignorando o grupo de world music (os Fimm) que se preparava para iniciar o show de meia-hora, seguimos directamente para as catacumbas.
Que visão aterradora! Que coisa absolutamente claustrofóbica! Quem ia preso tinha, de certeza, a sensação de ser enterrado vivo. As prisões ficavam no interior do castelo, enterradas no chão. Para entrar nas celas era necessário descer uma enorme quantidade de degraus estreitos e, passado o mini-corredor para onde davam as sucessivas portas, agachar para as transpor. Lá dentro, não haveria nada. E o ar era escasso. Para fazerem as suas necessidades fisiológicas, existiam filas e filas de uma espécie de potes sem fundo numa sala contígua, mas o mais normal seria fazê-la na cela, cujo chão era terra. Enfim… uma visão do inferno…
Era altura de procurar o terraço. Mas, até lá, estavam guardadas algumas surpresas: os aposentos dos papas. Salas cheias de tesouros. Desde mobília da época a frescos incríveis onde se podia tocar!!! (Claro que não tocámos! Até parecia um crime por lá os dedos gordurosos! Mas houve quem tenha posto! Eles estavam nas paredes. Ali. Sem protecções, nem avisos. Ao nível dos olhos, das mãos, das pernas. Incrível. E não vimos tudo! Sant’Angelo é UM MUNDO! (Mais info: http://www.castelsantangelo.com/.)
Chegámos finalmente ao terraço. Estava escuro e cheio de gente. Sussurrava-se. Provavelmente, com respeito pelo breu e pela fabulosa vista nocturna de Roma e do Vaticano. O ambiente era quente e selecto, iluminado por uma lâmpada deficiente em cada lado do terraço. Todos estavam ali de olhar embargado, cheios de respeito pelo local. Fotografava-se e conversava-se e, mais uma vez, era difícil alguém tomar a decisão de abandonar aquele local. Era lindo demais.
Apesar do extraordinário cansaço e do desconforto da falta (agora claríssima!) do banho, lá ficamos longos minutos. Como os outros, fotografámos e sussurrámos. Fotografámos mais e sussurrámos mais. …E eu apaixonei-me.
Já tínhamos flirtado várias vezes, mas nunca tínhamos estado tão próximos. Ali, na penumbra daquele local, maldito e sagrado, consegui admirar cada pormenor daquele corpo esbelto, cada detalhe da sua expressão, cada possível significado do gesto. Era lindo. Lindíssimo. Inesquecível. Eu explico…
A actual designação do castelo remonta a 590 e surgiu durante uma grande epidemia de peste que assolou Roma. Na ocasião, o Papa Gregório I afirmou ter visto o Arcanjo São Miguel sobre o topo do castelo. Dizia que ele embainhava a sua espada, indicando o fim da epidemia. Para celebrar essa aparição, uma estátua de um anjo coroa o edifício. Inicialmente era um mármore de Raffaello da Montelupo, mas desde 1753, reside ali um bronze de Pierre van Verschaffelt desenvolvido sobre um esboço Gian Lorenzo Bernini. Mais um anjo de Bernini. Mas, por este, eu apaixonei-me perdidamente.
Não sei se foi alguma imagem do badalado filme “Anjos & Demónios” que me colocou na cabeça a sugestão daquela figura, se foi aquele ambiente misterioso e o tempo que ali passei a olhá-lo. Sei que depois daquela noite, eu virei Roma à procura de um souvenir que me permitisse trazê-lo para casa. Não encontrei. Ninguém presta atenção ao meu anjo. Pelo menos, não a devida! (Uma foto decente que alguém tirou do meu anjo: http://www.world-travel-photos.com/routard-photo-Liu-pt-171-253-5225.html.)
Os autocarros romanos recolhiam à meia-noite, hora de fecho do castelo. Por isso, cinco minutos antes da meia-noite, saímos a correr de Sant’Angelo n a esperança de conseguir apanhar o último autocarro para o nosso hotel. Não conseguimos...
De mapa na mão, a servir de isco a malfeitores, vagueamos pela Piazza Cavour em busca de um táxi. Não achámos. Pedimos ajuda a um polícia… que nos deu as direcções erradas. E, finalmente, ainda a conseguir evitar o pânico, descobrimos, no meio da vasta informação do nosso mapa oficial da cidade (pago no Turismo!), que havia um nocturna (autocarro nocturno) que passava no nosso bairro, a duas ruas do nosso hotel! Faltavam três minutos para ele passar no outro lado da praça!
Chagámos à paragem a tempo de o ver surgir ao fundo da rua. Lá dentro, fomos, de sorriso nos lábios, a ouvir três jovens portugueses a discutir direcções e locais de visita. Na nossa paragem, desceram dois outros turistas, com quem nos desencontrámos assim que o autocarro partiu… Voltámos a encontrar-nos no lobby do hotel. Exaustos, partilhámos com eles o elevador. Ao chegar ao quarto e por incrível que pareça não corremos para a cama, mas para a banheira! Íamos ter o nosso merecido banho. Finalmente!
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