Andei 30 anos enganada. Achava que a vida me estava a tentar ensinar a ser altruísta, generosa, solidária. Mas não. Todo o esforço que fiz para ser menos egoísta, para prescindir do meu tempo, das minhas paixões, das minhas coisas em prol de algo ou alguém, foram genuína e totalmente perdidos. Afinal, o que a vida quer que eu aprenda é a impor limites à minha generosidade.
No good deed goes unpunished, diz um ditado na língua de Shakespeare e é verdade. Sempre que mudei de rumo por alguém, sempre que sacrifiquei os meus planos em prol de outro, sempre que dei mais, fiz mais, sofri mais… levei com o mundo na tromba. Sangrei de tristeza. De falta de retorno. De castigo maior. Até ver que nada vale a pena.
_ Equilíbrio! - Diz-me uma sábia amiga, - a vida quer ensinar-te equilíbrio entre o que dás e que precisas que te dêem.
Equilíbrio, diz ela. Com razão, talvez. Mas no meio-termo não há paixão. Não há emoção. Não há lágrimas nem gargalhadas. Há sorrisos educados. Portas que se fecham e se esquecem. E o que eu preciso é que me levem o coração e me façam arrancar a pele. E que o façam por mim também. Que me emocionem. Me amem. Me escolham.
E aqui reside mais uma fonte de frustrações. A minha vida está demasiado formatada. Educada. Já não é a adolescente que eu odiava e amava, mas que eu sabia que tinha sangue na guelra. Tornou-se cinzenta e previsível.
Pisam-me os calos? Está bem. Exigem o que não posso dar. Vou ver isso. São injustos. Eu espero que passe. Blá. Blá. Blá. Sem sangue, nem arrepios. Sem paixão, nem conquistas. Cinzento. Tudo.
E eu odeio quem me deixa viver assim. Odeio os meus amigos. Todos. Que me deixam aqui. Todos! Menos aqueles que, pelas circunstâncias, não me chegaram a conhecer os pensamentos na totalidade. Os novos. E os velhos que estão distantes. Perdoo esses. Os outros não. Os outros abandonaram-me. Foram embora. Viraram as costas.
Sou agressiva, por isso ninguém fica para me aparar as lágrimas quando sofro, com medo de serem arranhados pelas minhas garras vis. E vivi com isso. Sou fechada, por isso ninguém consegue arrancar-me o que me vai na alma e muito menos adivinhá-lo. E eu perdoei isso. Dou e dou e dou e vazia de dar sem receber, imponho limites. E o pior acontece. Perco-os. A todos.
Good riddance.
Não os quero por perto. Nenhum. Chega de cobranças e acusações, chega de usos e abusos e de epítetos e títulos. Quero ser OUTRA pessoa e não me deixam. Quero ter outros adjectivos e não mos dão. Quero que me amem e me leiam e me cuidem e não o fazem. Quero-os, por isso, fora de mim de vez.
Mas, sem forças para grandes paixões, desabituada de as ter, ou, se calhar, consciente de que tanto faz, continuo a ser a amiga de circunstância. A que responde às dúvidas e às questões sobre como se faz isto e aquilo. A que vai ao concerto ao Domingo á noite e que aceita as conversas de café. A que resume em duas frases o carrossel da vida quando alguém o pede. E eles gostam disso. Isso basta-lhes. E odeio-os por isso também.
Com as existências finalmente formatadas em casais mais ou menos convencionais, ter Amigos (com A grande) dá, suponho, demasiado trabalho. Não a mim. Que roubei horas da minha relação para pegar em mãos alheias. Mas a todos os outros custa, parece-me, fazer o mesmo. E então sou aquela a quem ninguém pergunta “Como estás?”. Aquela a quem as ausências não são questionadas com o “Porquê?” a que todos têm direito. Aquela por quem nunca ninguém saiu nem vai sair do seu rumo. Aquela que sempre esteve lá, mas já não está de tão vazia. E isso é imperdoável!
Desconhecida. Até de mim própria. Não sei quem é este ser de sangue frio que me habita. Que não vira a mesa. Já não sei encontrar saídas e soluções. Perdi-me algures. Choro. Seco as lágrimas. E durmo uma noite à espera que passe. Não passa. Estou sozinha. Sempre sozinha. Agora, assumidamente sozinha. E altiva nisso. Afinal foi assim que sempre estive. Apenas não o sabia.
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7 comentários:
Algumas das palavras... tiraste-mas do coração e da cabeça...São exactamente o que sinto!
Apenas um reparo... sabes dar-te (para os outros), mas não te sabes dar... (de ti. E isso habitua (mal?) as pessoas...
SML
Não sei o que te diga depois de ler este impressionante desabafo.
Querida amiga, espero que encontres o caminho à tua medida. Vai procurando que ele existe.
Bom fim de semana.
Beijo.
pois...
uma visão
um estado
h+a dias assim, e depois come-se uns camarões ou ameijoas e tudo passa... claro está à beira-mar...
o estar sozinha... ora cá está uma boa candiadata para pastora na minha serra, só tens que ter mãos frias para fezeres um bom queijo
abrazo serrano
Olá GK...
É com alguma tristeza que leio estas tuas palavras, este teu desabafo. A vida é uma escola onde se aprendem várias lições. Mostras ser uma pessoa que está presente quando é preciso. mas também sei, por experiência própria, que isso faz com que os outros te tomem por garantida. Não perguntam o tal "como estás" quase até se esquecem que também existes. Mas mal mostram sinais de precisarem de ti, lá estás tu para o que for necessário. estava eu a dizer que a vida nos traz várias lições. E provavelmente uma das mais complicadas, tal como disse a tua amiga, é achar o ponto de equilibrio entre o que dás de ti e o que podes dar e o que precisas de receber. Acho que não há uma forma fácil de aprender esta lição... eu própria sou muito como tu, sempre pronta para o que precisarem. E sempre triste por não ver o mesmo nos outros. No meu caso, estou a tentar não me dar tanto, só mesmo às poucas pessoas que eu sei que também se preocupam comigo. Isto não é uma solução perfeita, mas foi a forma que eu arranjei para me proteger. Não sei se isto te ajudou ou não... Mas não fiques assim triste. até porque não és tu que estás errada: são os outros que não têm a mesma atenção contigo que tens com eles.
Beijinhos
Para não variar parece ser algo que eu poderia ter escrito na sua essência, mas nunca o conseguiria pôr da mesma forma...
bjs
Como estás?
"Com as existências finalmente formatadas em casais mais ou menos convencionais, ter Amigos (com A grande) dá, suponho, demasiado trabalho."
nunca fui convencional e acho q isso se vê ao longo do tempo, pq continuo sem fazer parte desse 'grupo'...
bem, qnt à solidão, a minha tb ning ma tira.
e tb ñ sei espernear, neste momento, por causa disso!
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