_Bom tarde, doutora. – disse.
Não lhe liguei. Fosse pelo cansaço ou pelo hábito de ouvir saudações corteses que nada significam, nem a ouvi.
No dia seguinte, novamente me calha a mim entregar a chave do escritório. Com um sorriso, voltei a ouvir o “Então, tenha uma boa tarde, doutora”.
Perguntei-me, então, há quanto tempo eu a ouvia sem a ouvir realmente. E descobri, enterrado na minha memória, o seu constante sorriso em diversas ocasiões. Era uma pessoa da confiança da administração. Fazia já parte da estrutura daquele edifício onde entram e saem doutores - reais e imaginários - a toda a hora.
Supôs, por isso, que a sua saudação era já uma “gravação” da memória e que nada significava.
Mas, todos os dias, aquela voz submissa me assombrava a caminho da casa.
_Boa tarde, doutora. - Ouvia-a na minha mente a outras horas do dia. – Doutora!
Numa dessas tardes perdidas no meio de tantas outras, ia já preparada para a ouvir.
Coloquei a chave em cima do balcão da recepção e olhei bem para ela. É mais velha do que eu, trabalha lá há mais tempo do que eu e tem a confiança daquelas pessoas todas.
_Boa tarde, doutora. - Disse previsivelmente.
_Não me chame doutora. – Disparei com convicção – Não é preciso. Sou muito jovem para ouvir esse título tão pesado. – Sorri-lhe. Coloquei-lhe a mão num ombro. Disse-lhe para me chamar pelo meu nome próprio.
Arrependi-me logo.
O sorriso esmoreceu-lhe, pôs os olhos no chão e eu li-lhe o pensamento: “Pronto, mais uma falsa armada em gaja porreira!”
Deixei a minha mão escorregar-lhe do ombro e também eu pus os olhos no chão.
_Boa tarde. – Disse-lhe timidamente.
E fugi dali.
Agora temo-lhe o olhar, porque sei que ao ouvir-lhe a voz simpática vou sempre adivinhar-lhe os pensamentos.
Não lhe liguei. Fosse pelo cansaço ou pelo hábito de ouvir saudações corteses que nada significam, nem a ouvi.
No dia seguinte, novamente me calha a mim entregar a chave do escritório. Com um sorriso, voltei a ouvir o “Então, tenha uma boa tarde, doutora”.
Perguntei-me, então, há quanto tempo eu a ouvia sem a ouvir realmente. E descobri, enterrado na minha memória, o seu constante sorriso em diversas ocasiões. Era uma pessoa da confiança da administração. Fazia já parte da estrutura daquele edifício onde entram e saem doutores - reais e imaginários - a toda a hora.
Supôs, por isso, que a sua saudação era já uma “gravação” da memória e que nada significava.
Mas, todos os dias, aquela voz submissa me assombrava a caminho da casa.
_Boa tarde, doutora. - Ouvia-a na minha mente a outras horas do dia. – Doutora!
Numa dessas tardes perdidas no meio de tantas outras, ia já preparada para a ouvir.
Coloquei a chave em cima do balcão da recepção e olhei bem para ela. É mais velha do que eu, trabalha lá há mais tempo do que eu e tem a confiança daquelas pessoas todas.
_Boa tarde, doutora. - Disse previsivelmente.
_Não me chame doutora. – Disparei com convicção – Não é preciso. Sou muito jovem para ouvir esse título tão pesado. – Sorri-lhe. Coloquei-lhe a mão num ombro. Disse-lhe para me chamar pelo meu nome próprio.
Arrependi-me logo.
O sorriso esmoreceu-lhe, pôs os olhos no chão e eu li-lhe o pensamento: “Pronto, mais uma falsa armada em gaja porreira!”
Deixei a minha mão escorregar-lhe do ombro e também eu pus os olhos no chão.
_Boa tarde. – Disse-lhe timidamente.
E fugi dali.
Agora temo-lhe o olhar, porque sei que ao ouvir-lhe a voz simpática vou sempre adivinhar-lhe os pensamentos.
14 comentários:
Adoro, de facto, a tua escrita e os teus sentimentos GK! Só tu me sabes exprimir tão bem ;)
Bom, eu estou a passar mais ou menos pelo mesmo neste momento. A diferença é que tu - como boa observadora que és - reparaste em alguém, pensaste que pudesses ter mais contacto com ela, mas foi ela que recusou esse contacto. Não tens de te recriminar pelas tuas atitudes ;)
Quanto a mim, assusta-me ser apresentada como doutora, mas, caramba, neste país de brandos costumes e tal como tu dizes "onde entram e saem doutores - reais e imaginários - a toda a hora"... e se passei quase 30 anos em estabelecimentos de ensino, porque não? - Não, não sou assim tão burra, nem tão indecisa, apenas acumulei conhecimentos e alguns graus academicos - ;)
Além do mais, quem nos chama de doutoras, acho que gosta de pensar que está a falar com alguém que percebe, que se formou, que é educado. Afinal, quem não quer estar entre os melhores? É pena, no entanto, essas permissas na maioria das vezes não corresponderem totalmente à realidade sobre a qualidade civica e humana de cada doutor/a.
A minha profissão está inserida no rol das novas profissões, ainda andamos a fazer notar a necessidade, objectivos e competências dela na sociedade contemporanea. Portanto, quem sabe se este não será um indicador de que já se está a notar o nosso trabalho e porque não, uma forma distrorcida de lhe mostrar respeito?
Uma vez ouvi de uma pessoa que admiro muito:
"Ser doutor está nas acções e atitudes de cada um, é isso que é ser doutor".
Parece-me bem.
Em última análise:
Quem quer tratar-me pelo nome que me trate, quem quer me tratar por doutora que o faça.
Chamo-me António e à conta dos Dr. já devolvi cartões de débito/crédito e outras coisas do género.
Chamo-me António e pronto.... (prontos, como dizem alguns doutores....)
Um abraço.
Já me deixei um bocado disso. Já "corrigi" uma data de gente, com os mais diversos resultados.
Agora não tenho pachorra. Quer chamar de Doutor? Que chame. What do I care, quando o "1º" não é engenheiro mas tudo fez para que lhe chamassem isso? E, como ele, tantos e tantos outros que sempre foram "Doutores", sem nunca terem terminado o percurso académico sequer (uma das figuras mais emblemáticas de Coimbra, de resto, é o exemplo disso mesmo).
Não faço sequer um esforço, já. A não ser com alguém realmente próximo. Mas a malta mais chegada não me trata por Doutor. Mais depressa me chamam Palhaço...!
Concordo com k@ ... também prefiro que me chamem Palhaço!
Eu continuo a corrigir. A última vez foi um estagiário, a quem disse muito calmamente "olha, voltas a chamar-me de Doutor e dou-te uma cabeçada"
Isso dos títulos, também, me irrita profundamente. Bolas, faz-me sentir anos e anos mais velha do que sou na realidade.
Sim estudei, sim sou doutora, mas considero-me a mesma pessoa que era antes de tirar o curso.
Essa coisa de nos tratarem pelos títulos, é uma grande formalidade, só nos distancia do nosso interlocutor, pelo que odeio que me tratem por doutora. :s
Compreendo-te lindamente!
Na minha profissão passa-se o mesmo,tenho de carregar com o dito titulo a toda a hora...é bom tê-lo,mas também é muito bom ouvir o nosso nome...
Beijocas
Estou como a Gata Verde. Ouve-se tantas vezes chamarem "dra." que sabe bem ouvir alguém tratar-nos pelo nome.
Bjs
Vim cá desejar-te um bom S.Martinho!
Não abuses da pinga...
Beijocas
Somos, de facto, um país de doutores.
Também sou tratado pelo título rspectivo em todo o lado. E já nem resisto.
Mas, pensando bem, é uma opção que dá muito pouco trabalho, pois não obriga a fixar o nome da pessoa. Provavelmente, em Portugal, é por pura preguiça mental e não por outra razão qualquer que as pessoas são chamadas pelo título académico (que muitas vezes nem o são...). Parece-te bem... doutora? Pois, nem sei o teu nome, e GK faz-me lembrar o das metralhadoras...
Bfs, beijinhos
Ó sra. doutora, então os nossos rapazes vêm cá actuar?
Fiquei eufórica quando soube!!! :D
Espero é que haja novidades dentro em breve. ;)
de facto, é estranho...
a mim soa-me a falso, mas pra quê corrigir?
levam a mal, ainda por cima!
Uuuuuuuuuuuuuuuuui!!!
Andas a ler o pensamento do pessoal? Livra....
Achei o texto lindíssimo e muito verdadeiro.
Que sentimentos tao complicados que temos ás vezes.
bj
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